A manifestação legítima das empresas de tecnologia e a necessidade de regulação das redes sociais
É perfeitamente legítimo que uma empresa de tecnologia se manifeste em seu portal sobre uma questão legislativa que possa afetar seu negócio. Empresas como Google e outras Big Techs não agem de forma ilícita ao expressarem sua opinião dessa maneira. No entanto, o problema surge quando oligopólios usam sua força tecnológica para enviesar o debate, utilizando chamadas apelativas, como “sua internet não vai ser a mesma”, e, especialmente, quando usam suas ferramentas para manipular informações, seja na busca ou em posts impulsionados de forma obscura pelo algoritmo.
A falta de transparência na maneira como essas ferramentas definem o que aparece ou não na sua timeline é, sem dúvida, uma das razões que justificam a necessidade de regulamentação, principalmente quando conteúdos ou contas são excluídos sem qualquer explicação. As redes sociais limitam-se a dizer, de forma genérica, que o usuário violou seus termos de uso, sem esclarecer qual item foi infringido, nem mesmo em casos judiciais.
Quando a Google promove suas ideias, utilizando seu poder e enviesando o debate, age de forma abusiva, sem dúvida. No entanto, não acredito que os fundamentos trazidos pela Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon), alegando que a empresa praticou publicidade, sejam aplicáveis, uma vez que não estão presentes os requisitos para caracterizá-la como tal.
O fato é que manipular resultados de busca ou conteúdo em redes sociais, favorecendo o que lhes convém e omitindo o que não lhes convém, é extremamente preocupante. Isso não é uma novidade, pois têm feito isso há muito tempo. Para muitos, isso só se tornou evidente agora, devido ao Projeto de Lei (PL) 2630.
SOPA – Stop Online Piracy Act
Em 2011, foi apresentado nos Estados Unidos um projeto de lei chamado SOPA – Stop Online Piracy Act, com o objetivo de combater a pirataria online. O projeto continha questões controversas, como a punição aos buscadores e redes sociais que não removessem conteúdos que infringissem direitos autorais sem ordem judicial, além de proibir instituições financeiras de operarem com essas plataformas caso não tomassem providências.
Plataformas de tecnologia como Wikipedia, Facebook, Google, Twitter e Amazon, entre outras, fizeram um forte movimento em resposta ao projeto, manifestando-se em suas plataformas e até ameaçando sair do ar em protesto, deixando suas páginas em luto. Algumas ficaram offline por um curto período, semelhante a uma greve, bloqueando o acesso. A Wikipedia, inclusive, alertava em sua página principal: “Imagine uma internet sem conhecimento livre”.
Pornhub X Utah Law
Recentemente, o site Pornhub bloqueou o acesso de usuários de Utah, nos Estados Unidos, convocando-os a solicitar aos parlamentares a mudança de uma lei local que exigia verificação de idade.
Manipulação e terrorismo
Quem não ficaria assustado com esses argumentos, considerando que todos nós dependemos dessas ferramentas? No entanto, essas empresas nunca divulgam quando fazem acordos questionáveis com órgãos de inteligência e compartilham dados sem que você saiba, ou quando traçam perfis comportamentais e os utilizam para finalidades muito além do comercial. Elas também não informam que os mecanismos de busca removem conteúdos que infringem leis. Basta pesquisar o download de um determinado filme para ver a informação de remoção de um link que continha conteúdo pirata, em cumprimento à lei americana DMCA (Digital Millennium Copyright Act), mesmo sem uma ordem judicial. Enquanto isso, no Brasil, eles demoram para remover conteúdo, mesmo sob ordens judiciais.
É muito difícil traçar uma linha para definir quando uma manifestação é legítima ou não. No entanto, atos como os ocorridos em 2 de maio reforçam a necessidade de maior transparência, não apenas por causa do protesto em si, mas pela forma como podem manipular informações, como alertam pesquisadores há muito tempo, inclusive em relação ao risco à legitimidade dos processos eleitorais.
O texto do PL 2630, mesmo em sua versão mais recente e mesmo que ainda não tenha definido uma entidade de supervisão ou por causa disso, ainda pode representar um risco para a democracia. É melhor discutir com mais calma, especialmente definindo melhor as regras para o chamado protocolo de segurança, sem deixar tudo para uma futura regulamentação por um órgão ainda desconhecido.
É urgente manter o foco, sem diminuir a velocidade, diante da inquestionável necessidade de regulamentação das redes sociais, pelo menos para garantir mecanismos mais eficazes de transparência.
Por: Rafael Maciel